terça-feira, 19 de março de 2013

TRECHO DO NOVO LIVRO EM DESENVOLVIMENTO



Você está ficando velho, ela diz, enquanto seleciona um pelo em meu ouvido e o arranca num movimento abrupto. Nunca pensou em se casar de novo? Não, eu respondo, lacônico e sincero, tão sincero que imediatamente ela rola no colchão e se vira para a parede da janela. Desvio o olhar da revista e fito a janela na expectativa de encontrar a lua, mas minha janela não dá para fora, dá para o corredor do prédio, e a única coisa que se pode ver é a luz acionada pelo sensor de movimento, que de tempos em tempos dispara assim, de repente, sem qualquer movimento notável. Não chega a ser um problema para mim, não ao menos enquanto estamos acordados e Nádia remove os restos de esmalte das unhas sob a luz branca da luminária. Mas quando se quer dormir, nem mesmo a cortina preta de dois forros dá jeito na luz intermitente. E o jeito foi me acostumar a pegar no sono com o rosto enfiado no travesseiro, e o clac do sensor de movimento estalando de quando em quando dentro da cabeça. Sabe, um dia você vai se apegar a alguém que não te dá valor - ela diz desencostando a bunda da minha perna – e aí vai se lembrar de mim. Por que será que as mulheres são assim – penso -, sempre tão necessitadas de definições? Essa precisão de tudo preto no branco; de: sim, sou seu e você é minha; de: claro, vamos constituir um clã, garantir a descendência, financiar uma oca e fingir que trepar nem é tão importante assim quando a idade vier e o sexo se tornar insuportável. Observo a graciosidade da curvatura de sua anca. Tem que haver uma explicação psicológica para essa ânsia por definições. Alguma coisa que remonte àquela fase infantil em que a mulher percebe que não tem um pênis igual ao do papai e precisa delimitar sua descrição, definir-se enquanto indivíduo apesar da ausência fálica. Li algo sobre isso algum dia em algum lugar. Vem cá com seu tigrão, digo sussurrando em seu ouvido enquanto abandono a revista aberta no criado mudo e desligo a luminária. Imediatamente ela se retrai fingindo um afastamento maior, mas crava o rego da bunda bem em cima do meu pau e... clac. A luz do corredor acende.