Você está ficando velho, ela diz, enquanto seleciona um pelo em meu ouvido
e o arranca num movimento abrupto. Nunca pensou em se casar de novo? Não, eu
respondo, lacônico e sincero, tão sincero que imediatamente ela rola no colchão
e se vira para a parede da janela. Desvio o olhar da revista e fito a janela na
expectativa de encontrar a lua, mas minha janela não dá para fora, dá para o
corredor do prédio, e a única coisa que se pode ver é a luz acionada pelo
sensor de movimento, que de tempos em tempos dispara assim, de repente, sem
qualquer movimento notável. Não chega a ser um problema para mim, não ao menos
enquanto estamos acordados e Nádia remove os restos de esmalte das unhas sob a
luz branca da luminária. Mas quando se quer dormir, nem mesmo a cortina preta
de dois forros dá jeito na luz intermitente. E o jeito foi me acostumar a pegar
no sono com o rosto enfiado no travesseiro, e o clac do sensor de movimento
estalando de quando em quando dentro da cabeça. Sabe, um dia você vai se apegar
a alguém que não te dá valor - ela diz desencostando a bunda da minha perna – e
aí vai se lembrar de mim. Por que será que as mulheres são assim – penso -,
sempre tão necessitadas de definições? Essa precisão de tudo preto no branco;
de: sim, sou seu e você é minha; de: claro, vamos constituir um clã, garantir a
descendência, financiar uma oca e fingir que trepar nem é tão importante assim
quando a idade vier e o sexo se tornar insuportável. Observo a graciosidade da
curvatura de sua anca. Tem que haver uma explicação psicológica para essa ânsia
por definições. Alguma coisa que remonte àquela fase infantil em que a mulher
percebe que não tem um pênis igual ao do papai e precisa delimitar sua
descrição, definir-se enquanto indivíduo apesar da ausência fálica. Li algo
sobre isso algum dia em algum lugar. Vem cá com seu tigrão, digo sussurrando em
seu ouvido enquanto abandono a revista aberta no criado mudo e desligo a
luminária. Imediatamente ela se retrai fingindo um afastamento maior, mas crava
o rego da bunda bem em cima do meu pau e... clac. A luz do corredor acende.