Gasto a manhã
folheando revistas velhas. Retomo um romance que tento terminar há meses sem
êxito, embora sempre tenha sido um leitor voraz. Ultimamente, no entanto, nunca
termino minhas leituras; os livros se sucedem às dezenas e contam-se nos dedos
os que li até o final de uns anos para cá. Para piorar, Nádia recrimina minhas
escolhas, diz que a literatura contemporânea é vazia, feita por corações ocos,
escritores sem alma. Que não há muito o que se dizer sobre a segunda metade do
século XX, que não faz sentido ficar atirando a esmo na escolha de autores
atuais pois o tempo perdido na identificação de um bom livro seria melhor
aproveitado na certeza dos clássicos. Que os clássicos já passaram pelo crivo
do tempo, resistiram à erosão das ideias et cetera et cetera. Quando tenho
forças, rebato dizendo que não procuro nada na literatura, que literatura não
muda o mundo, não melhora ninguém. Talvez a quem a escreva e olhe lá. E se ela
diz que é mentira, que todo mundo procura alguma coisa na literatura nem que
seja entretenimento, e que, mesmo na qualidade de entretenimento, os clássicos
batem disparado os contemporâneos porque possuem qualidade intrínseca
comprovada pela longevidade, então eu digo que o que procuro – se é que
realmente procuro – é conexão. Conexão com meu tempo, conexão com meus
contemporâneos, com minha geração. Que procuro, enfim, me achar, me identificar
com outros corações ocos e desnorteados que vaguem por aí perdidos. Exausto,
digo que não faz sentido procurar a luz no fim do túnel contando apenas com a
lanterna traseira. A não ser que se trafegue de ré. E ela diz que, às vezes,
parece ser meu caso. Trafegar de ré. Tira o mote da minha própria
retórica. Por fim, no limiar do
esgotamento argumentativo, decido dar o braço a torcer só para agradá-la, e
prometo logo mais pegar um Tchekhov na estante, um Pushkin, talvez um Turgueniev,
sei lá, mas certamente um russo, pois que dentre os clássicos são eles os mais
contemporâneos, por assim dizer. E desse modo abrevio os sermões de Nádia, e
arranco um sorriso dela, arqui-inimiga entusiasmada da subcultura e da
massificação de conteúdo. Por ela, colocava-se fogo em toda publicação que
tivesse menos de quinhentas palavras por lauda e menos que quinhentas laudas
por volume. Em menos que isso, diz ela, impossível desenvolver qualquer ideia
minimamente responsável. Fecho o livro marcando a página 225 e rio sozinho ao me
lembrar de sua entonação grave ao declarar tal pérola.