Fokkercem era um tremendo pau-no-cu.
Burocrata em precoce fim de carreira. Vingava as tardes modorrentas em que
comia livros dia após dia, meses a fio, comendo, agora, a estagiária. As
humilhações da adolescência, devolvia-as em dobro: taxiava no subúrbio sábado à
tarde, aeronave estacionada no boteco frequentado pelos velhos algozes. Descia
pra comprar cigarros e deixava paga a rodada pros perdedores, amigos de
infância que do dominó dedicavam-lhe um salve. Mesmo que já não morasse no
bairro. Mesmo que fosse lembrado por poucos. Fokkercem era chamado assim porque
subiu rápido. No colégio onde estudou, sala com seu nome, placa de bronze e o
escambau: fomento em troca da cabeça do japonês que lecionava geografia.
Metodologia ultrapassada - justificou o reitor, cifrão tatuado na esclerótica.
Depois do segundo divórcio, da perda da guarda do filho, desandou. Da night
desembarcava com a tripulação na quebrada, entrava na biqueira de caranga
importada, a sentinela dizia: lá vem o Doutor pegar bilú. Um amigo publicitário
lhe ensinou os quatro pês do ofício – produto preço ponto propaganda. Ele
subverteu, reinventando a sigla: “Putaria pinga e pó!” “Mas são quatro pês,
porra” “Então”, ele dizia. Na faculdade as cocotinhas faziam fila pra dar pra
ele. Professor descolado, Fokkercem ficava no bar depois da aula, tirava sarro,
fumava, pagava cerveja. Pra quem desse - sorte! -, botava o pó. E dava nota. E
a nave ia. Até que um sábado não pousou no boteco. Durante a semana não
apareceu pra dar aula. Não deu as caras no trampo, faltou na balada, não o
viram na boca. A estagiária deu com a fuça na porta. Dias depois, babau. Corpo
encontrado de cueca e meia na área de serviço, buraco necrosado na nuca,
parecia feito à mão. Aterrissagem forçada. Nem sangue tinha. O cigarro queimou
inteiro, copo no parapeito, ao lado do par de tênis que secava. No enterro,
estavam todos lá: os perdedores, o reitor de placa na mão, duas ex, a
estagiária, o filho, os alunos. “Lá se foi o Doutor”, lamentou o da boca. O publicitário
calou - odiava lugar comum. A turma do quinto semestre fez discurso. Mas
lágrima, mesmo, não se viu. Ouviu-se apenas um buxixo, um resmungo momentos
antes de descer o caixão, e alguém que se afastava sentenciando: “Fokkercem
caiu. Tremendo dum pau-no-cu.”