quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

BORBOLETA




Não sei como ela consegue: acorda, escova, banha-se em lavandas, penteia-se, sombreia-se de tons e sobretons, os olhos ganham luas de outras cores, uma lente para a segunda, outra para terça, e assim vai. Não sei como se mete mariposa na mínima calcinha, e nem a mágica para esticar o jeans ao limite das suas soldas, imagino que se contorça lagarta sobre a cama repuxando, esticando, tomando longos suspiros e descansos até que enfim o zíper. Não sei como não lhe comem a borboleta logo na primeira esquina, um suco de laranja sem açúcar, todos os dias, sob os olhos de lobo do dono da lanchonete, dos velhos babões as larvas com seus jornais fumegando cafés e chás nos dias de chuva. Não sei como se mantém no salto quinze toc toc determinando o compasso, ou varejeira no ponto enquanto o zumzumzum não para. Não sei como tolera a feiura dos peões da obra, gaiola de sapos que se engalfinham famintos, e as chupadas de ar, gritinhos, gemidos até mesmo em braile. Quando sol a pino, o céu de fuligem sufocando formigas de destino incerto, trânsito de carne borracha metal – motocicleta, pedinte, playboy -, não sei como consegue: atravessa abelha a avenida ainda cheirando a mel. À tardinha fico imaginando o que se passa no salão de beleza, pés mãos dedos e unhas sob sua custódia, o alicate com precisão arranca talos de carne, apara arestas, desviando olhares que até então morriam no vão de seus seios. Não sei como resiste a tanta inveja de hiena, de mulher malcomida que é a pior das invejas, olho gordo de bicho de maiores espécies. E antes ainda que escureça lá vem ela de volta, maquiagem retocada, cheirando a hidratante de segunda. E provoca na calçada, desloca no coletivo, faz mosca se debater na janela. Na sei como, nem de onde, ainda tira inspiração, após pés mãos dedos unhas, um dia inteiro de labuta honesta, atrás do tapume serventes, pedreiros e mestre-de-obras orquestram chupadas de ar, gritinhos, gemidos, até mesmo em braile. E chega em casa mariposa, e requenta a comida e come na panela; e remove o esmalte, e conta como foi o dia, e abandona o tamanco, e, não sei como, evapora, esvaece. E então escovada, banhada em lavandas, penteada deita-se larva ao meu lado. E se aproxima crisálida e esfrega o talo, refestela-se em meu corpo, passeia minhas mãos sobre as coxas, o colo, sobre o seio pródigo. E ofega resfolega assobia chupando ar. Contorce-se lagarta, repuxando esticando tomando longos suspiros e descanso até que, enfim, a
borboleta.