Não pretendo vender meu celeiro. Não que não aprecie sua oferta,
caro amigo, mas é que os tempos são de crise, você sabe... Forjei fianças,
fraudei o fisco, assinei promissórias e o diabo a quatro, mas levantei o
capital. Quando todos estavam em êxtase com as “partículas de ouro” que
disseram que sopravam por aí, fiz minha parte... Não, não sou trouxa. Dormi ao
relento, comi migalhas e senti o acero do aço em minhas costas. Fiquei
pneumônico, perdi cabelo... Mas meu celeiro está aí. Bonito, assentado, viçoso. Milho, soja, arroz, ervilha... De certo que a
praga dos ratos me deu algum trabalho, mas vai pra mais de mês que não vejo
unzinho sequer por aqui. Agora, depois de tudo isso, me aparece você e
simplesmente me propõe a compra? Ah, mas não vendo. Não vendo mesmo. Isso é que
não. E logo você, homem letrado, quase erudito... Escreve no Diário da
Província o quanto somos provincianos – e isto certamente que me ofende, já que
moro no norte da ilha, não é? –, diz que temos medo do desenvolvimento, da
modernidade, mas esquece de mencionar que o tal “desenvolvimento” vem no esteio
do nosso trabalho. Nas costas do labor do provinciano aqui. Não quero ser
deselegante, mas você bem sabe que também não posso deixar de ser sincero. E,
na maioria das vezes, a verdade dói mais que mão queimada em fornalha. E olha
que minhas mãos eu já queimei e não foi uma só vez, não. Mas a língua, nunca.
Nem uma única vez nessa vida inteira de cristão temente a Deus. Por isso, caro
“amigo”, esqueça que eu existo e que um dia você passou por estas bandas, e que
se interessou por minhas terras e por meu celeiro. Porque eu vendi minha
juventude, caro amigo; vendi as poucas oportunidades de sair desse fim de
mundo; vendi – a preço módico – a raspa do tacho da felicidade e quase – veja
bem: quase – vendi minha alma. Mas, meu celeiro, meu caro amigo, eu não vendo.
Passar bem.